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[Entrevista] Como a equipe de “Outlander” lidou com o final chocante da temporada

Caitriona Balfe, Diana Gabaldon e o produtor Matthew B. Roberts discutiram o tema central da violência sexual na história e suas tentativas para retratá-la de maneira significativa.

Claire (played by Caitriona Balfe) suffered a horrific sexual assault in the Season 5 finale of “Outlander,” the latest of several major acts of sexual violence to be portrayed in the series.  
Claire (interpretada por Caitriona Balfe) sofreu uma terrível agressão sexual no final da 5ª. temporada de “Outlander“, o mais recente dos muitos atos de violência sexual a serem retradados na série.
Aimee Spinks/Starz

Por Jeniffer Vineyard 10 de maio de 2020

Esta entrevista inclui spoilers do final da 5ª. temporada de “Outlander”.

Cinco anos atrás, pouco antes da primeira grande cena de estupro em “Outlander”, uma outra agressão sexual em outra série, “Game of Thrones”, provocou uma tempestade de controvérsias.

Aquela breve cena de estupro envolvendo a querida Sansa Stark provocou indignação por causa da maneira como foi filmada, com o foco principal na reação de um observador do sexo masculino. Os produtores de “Outlander” temiam que a sua cena de estupro que era mais demorada e mais explícita pudesse provocar uma reação ainda maior. (Eu pensei: “Oh, Deus, se esta é a reação a ‘Game of Thrones’”, lembrou a produtora executiva Maril Davis.)

Como se viu, eles não precisavam se preocupar. O episódio no qual Jamie (Sam Heughan), um personagem masculino, é estuprado na prisão de Wentworth, foi elogiado pela maneira como foi realizado. Mas, ao longo dos anos, quando os ataques sexuais se tornam mais comuns na série, eles também viraram uma tarefa difícil, especialmente quando envolviam Claire (Caitriona Balfe), que sofreu várias tentativas de estupro durante suas viagens ao séc. XVIII, mas que não teve o mesmo tempo que os outros personagens tiveram para processá-los.

No final da 5ª. temporada, Claire foi vitimada novamente, desta vez em um estupro chocante, um evento que antecipou uma narrativa do livro 6 dos best-sellers de Diana Gabaldon, no qual a série se baseia. (A temporada parou no livro 5, com algumas exceções marcantes).

Como os fãs reagirão? O que a equipe de criação considerou ao escrever e filmar a cena? Em uma série de entrevistas por telefone, Gabaldon, Balfe (que se tornou produtora da série na 5ª. temporada) e Matthew B. Roberts, que escreveu o roteiro do episódio com sua parceira, Toni Graphia, estudaram o uso de violência sexual na série, seu valor terapêutico e suas críticas. A seguir, trechos editados das conversas:

Por que você acha que o estupro é um evento tão recorrente, catalisador e que faz parte da composição de personagens em “Outlander“?

CAITRIONA BALFE: a violência sexual e o estupro são muito comuns na sociedade – uma em cada seis mulheres foi vítima de uma tentativa ou de um estupro completo nos Estados Unidos. Esta estatística é insana. Na nossa sociedade, nós temos um problema com agressão social e isto se reflete em nossas histórias.

DIANA GABALDON: Alguns leitores dos livros virão atrás de mim perguntando, “Você não acha que isso é violento?” Depende da sua perspectiva. Você deve parar e se perguntar: “Qual era o objetivo?” Eu estava apenas tentado ser sensacionalista? Bem, não. Eu não preciso disso. Mas, eu tinha um ponto, e isto tem muito a ver com a resiliência do espírito humano. Não estamos tratando o estupro como algo destrutivo que arruína a vida inteira de uma pessoa. Estamos mostrando o estupro como ele é. E ele é terrivelmente traumático e prejudicial, mas as pessoas se recuperam. Como elas superam isso? Qual a consequência disso? A história oferece uma ampla tela emocional para exploração, a maioria delas não se preocupa com o encontro violento em si.

MATTHEW B. ROBERTS: Muitos desses momentos com apoio dos livros são violentos e significativos para os personagens. O estupro de Jamie, o estupro da Brianna, o Jamie batendo em Roger (Richard Rankin) até quase matá-lo, Roger sendo enforcado, o estupro de Claire. Como não mostrar tudo isso? Se disséssemos: “Tudo bem, não vamos mostrar o estupro do Jamie, vamos fazê-lo dizer simplesmente: ‘Eu fui estuprado’”, para mim, o impacto teria sido massivamente diminuído. Nós tivemos que seguir com “Este é Jamie sendo estuprado. Este é Roger sendo espancado.”

Mas nossas intenções não devem ser gratuitas. Não estamos buscando momentos discutidos em conversas de cafezinho. Estamos tentando ser fiéis aos personagens e aos livros. Às vezes, os livros são mais gráficos e, então, nós precisamos recuar um pouco.

“I think the danger with Claire being considered a strong female character is that sometimes people forget that she is not Teflon,” Balfe said.
“Eu acho que o perigo de Claire ser considerada uma personagem feminina muito forte é que, às vezes, as pessoas se esquecem de que ela não é de Teflon”, diz Balfe. Aimee Spinks/Starz

Game of Thrones” recebeu intensa crítica pela maneira como retratava o estupro. Você aprendeu alguma coisa sobre a maneira “certa” de fazer isso? Como “Outlander” tentou se diferenciar neste sentido?

GABALDON: Eu não sei o que “Game of Thrones” fez. Eu li algumas críticas onde eles mencionavam que alguém estava sendo estuprada em segundo plano. Este parece ser um ponto importante que nem sempre fazia parte da história, provavelmente para dar uma ideia de que a atitude predominante dessa cultura era que as mulheres eram descartáveis.

O que é diferente em Outlander é que, quando há um ato sexual violento, a pessoa que está sendo estuprada nunca é tratada como parte do cenário. Nós estamos mostrando que cada estupro é único. O que aconteceu com Brianna (Sophie Skelton) é bem diferente do que aconteceu com os pais dela. Na experiência de Jamie, ele estava sendo caçado por um homem que queria não apenas possuir seu corpo, mas também destrui-lo emocionalmente. E Black Jack (Tobias Menzies) quase conseguiu. Brianna, por outro lado, estava no lugar errado na hora errada.

BALFE: Se vamos contar esse tipo de história, precisamos destacar algo que não está sendo visto pelo público, para que possamos iniciar os diálogos. Com a recuperação de Jamie na 1ª e 2ª temporadas, nós lidamos com uma coisa que, na verdade, não tinha sido muito explorada na TV, que era a ideia do estupro masculino. Com Claire, exploramos o mecanismo psicológico de dissociação.

ROBERTS: Pessoalmente, não leio todas as críticas, sejam elas boas ou más. É difícil escrever roteiros para uma série por enquete ou comitê. Quando nos sentamos na sala, deixamos tudo isso para lá. Nós falamos sobre os personagens. Nós conversamos sobre a história.

Como foi a discussão para determinar como seria o estupro coletivo de Claire?

BALFE: Tivemos muitas conversas sobre como fortalecer Claire. Você nunca vê realmente os estupradores. Não queríamos dar espaço para eles. Uma das séries que fez isso muito bem foi “Unbelievable” da Netflix. Nós conversamos sobre isso, sobre como seria a filmagem.

ROBERTS: Tivemos várias agressões na série e estávamos imaginando como Claire sobreviveria à dela, porque emocionalmente isso não parece afetá-la nos livros tanto quanto afeta Jamie ou Brianna. Como Claire conseguiu sobreviver de uma maneira diferente? Eu pensei que se a mostrássemos abandonando seu corpo e escapando para um sonho, isso poderia atenuar o que está acontecendo visualmente. Quando vemos um rapaz se aproximando dela e, então, cortamos para a fuga no sonho, a audiência conclui: “Algo ruim vai acontecer”. E nós ficamos nesta linha tênue entre mostrar ou não mostrar.

Originalmente, a fuga para o sonho tinha ainda mais força. Nós iríamos sentir que Claire havia sido estuprada, mas não saberíamos como. Lembro de discutir isso com Caitriona e Sam Heughan, e Caitriona era uma autoridade aqui. Ela disse: “Como assim não podemos mostrar mais?” E Sam respondeu: “Sim. Com Jamie mostramos muito mais”. Então, percebemos que poderíamos ir um pouco além do livro.

GABALDON: A série é realmente mais explicitamente brutal que o livro. Claire é penetrada por apenas um homem no livro e ele não é violento. Mas, o problema é que eu não queria que Claire fosse machucada internamente. Suponho que as pessoas saibam que, se uma mulher sofre um estupro coletivo, isso é muito ruim para o seu corpo. O estupro repetido e penetrante causa hemorragias extensas e outros danos, e você pode até morrer pela perda de sangue.

BALFE: Eu senti que se iríamos fazer as fugas para os sonhos, nós teríamos que ter em mente o porquê. Os sonhos não são um truque, não são uma razão para usar roupas legais. Claire está vivenciando algo terrível. O fato tem que mostrar a progressão do seu estado mental, para mostrar que ela atingiu um ponto de ruptura, que está despedaçada, mas que, de alguma forma, está tentando se manter em pé. Nos primeiros roteiros, Claire teve muito diálogo. Eu senti que, se ela tiver alguma fala, não poderá construir uma conversa sobre culinária ou qualquer outra coisa. Ela diz a única coisa que poderia dizer nessa realidade. Ela diz: “Não” e diz: “Jamie”. Esta é a sua compreensão dos momentos em sua vida que a deixam segura e confortada. Mas não importa o quanto ela tenta criar essa camada protetora, o puro horror do que está acontecendo acaba sangrando também no seu sonho de fuga.

Balfe with Sam Heughan, who plays Jamie, in the Season 5 finale. “She’s coming to terms with her rape, and Jamie sustains her,” the author Diana Gabaldon said of Claire. “He’s her source of refuge.”
Balfe com Sam Heughan, que interpreta Jamie, no final da 5a. temporada. “Ela está aceitando o estupro e Jamie está dando seu apoio”, disse a autora Diana Gabaldon sobre Claire. “Ele é o seu refúgio.” Aimee Spinks/Starz

Uma crítica inicial da série foi a de que as vítimas do sexo masculino tiveram mais tempo para se recuperar do que as mulheres. Brianna, no entanto, teve muito tempo para se recuperar. Foi uma correção de curso nos roteiros? Claire terá mais tempo para se recuperar agora?

ROBERTS: Com Brianna, nós sentíamos que não podíamos simplesmente varrer seu estupro para baixo do tapete. Nós somos voyeurs desses personagens, observando-os em momentos íntimos, quando estão vulneráveis.  Um filme que sempre me impactou foi “O Acusado”, que analisava como a sociedade responde a uma vítima de estupro. Estamos em um momento e lugar diferente, mas podemos ver não apenas como a sociedade responde, mas também como a vítima sofre, como todo o mundo ao redor da vítima sofre, como os relacionamentos são afetados por isso. Com Claire, nós tiramos os efeitos dos livros posteriores, como ela e Jamie reagem depois do estupro.

GABALDON: Há uma diferença necessária entre o livro e a série. No livro, Jamie cria um pretexto para convidar Claire a fazer sexo mais ou menos imediatamente após o estupro. Ele tem medo de que se não a recuperar naquele momento, ela pode não ser capaz de voltar para ele emocionalmente. E, então, eles têm esse sexo muito intenso quando Claire ainda está trabalhando o que pode ser chamado de estresse pós-traumático. Ela está violenta fisicamente. Ela está aceitando o estupro e Jamie está dando seu apoio. Ele é o seu refúgio. Mas este não é o tipo de coisa que acontece com a maioria das pessoas que passam por experiências como esta. Eles estão fisicamente traumatizados. Eles se aconchegam e não querem falar sobre isso com pessoas que não estavam lá, pois não entenderiam. Jamie não estava lá, mas ele certamente entende, e isso faz uma enorme diferença em termos de recuperação para ela.

BALFE: Eu acho que se você ler a cena no livro, verá Jamie dando a Claire a confirmação de que ela ainda é amada e desejável. Mas se você filmar isso, não seria a mesma coisa. Eu acredito que Jamie iria encontrar entre as ações de Claire o momento certo para decidir quando ela estaria pronta para aquele tipo de coisa. Então, tivermos muitas discussões sobre como tentar tornar a recuperação de Claire o mais respeitosa e fortalecedora possível. Seu caminho para a recuperação continuará na próxima temporada. Acho que o perigo de Claire ser considerada uma personagem feminina muito forte é que, às vezes, as pessoas se esquecem de que ela não é de Teflon. Algumas coisas podem machucá-la profundamente. E precisamos mostrar que ter força não é apenas caminhar pela vida e as coisas não afetarem você. Ninguém é assim. Isso não é humano.

Por que você acha que os fãs de “Outlander” estavam dispostos a acompanhar essas narrativas quando outras séries viram alguns seguidores abandoná-las quando sentiram que haviam visto mais um estupro?

ROBERTS: Certamente para os leitores, eles sabem o que está por vir. Eles estão preparados para isso. Eles podem não saber como vamos retratá-lo visualmente, mas na 1ª. temporada, sabiam que Jamie seria estuprado e, na 4ª. temporada, sabiam que Brianna seria estuprada.

GABALDON: Há alguns anos, perguntei às pessoas que tinham sido vítimas de violência sexual o que elas pensavam sobre a maneira como esses incidentes são tratados. Coloquei uma nota na minha página do Facebook e, em 24 horas, recebi uma imensa manifestação de pessoas. E todas diziam coisas como: “Sua história me deu esperança de que eu poderia me curar, que eu seria capaz de superar. Isso me fez sentir melhor.”

Quase todas compartilharam detalhes horríveis do que lhes havia acontecido. Algumas disseram que estavam agradecidas por Jamie reconhecer que ele estava relutantemente compelido a ter um orgasmo quando foi estuprado, porque isso havia acontecido com elas também, e elas se sentiam horríveis com relação a isso. Elas disseram: “Você me ajudou a perceber que não foi minha culpa.” (soluço abafado). Eu engasgo um pouco quando falo sobre coisas emotivas como esta.

Fonte: The New York Times

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One Comment

  • Beatriz

    Eu acabei de ver a 5 temporada. Gostei da série, principalmente pela personagem Claire, muito humana, solidária, corajosa! Acho que exageram na repetição da temática da violação sexual. Fica pesado demais. Quase estragou a história, mas mesmo assim valeu assistir.

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