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Daily Line: Detalhes sobre a morte de Stephen Bonnet

POSSUI SPOILER DO LIVRO 6 | Leia outros em Trechos da Diana

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A maré começou a subir pouco antes das cinco horas da manhã. O céu já estava completamente claro, uma cor límpida e pálida, sem nuvens, e os baixios pantanosos além do cais estendiam-se cinzentos e brilhantes, a superfície lisa perturbada aqui e ali por plantas daninhas e renitentes gramíneas, brotando da lama como tufos de cabelos.

Todos se levantaram com o amanhecer; havia muita gente no cais para ver a pequena procissão sair, dois agentes do Comitê de Segurança de Wilmington, um representante da Associação Mercantil, um ministro carregando uma Bíblia e o prisioneiro, uma figura alta, de ombros largos,caminhando de cabeça descoberta pelo lodaçal. Atrás de todos, vinha um escravo, carregando as cordas.

— Não quero ver isso — Brianna disse num sussurro. Estava muito pálida, os braços cruzados contra o meio do corpo como se tivesse dor de estômago.

— Vamos embora, então. — Roger tomou seu braço, mas ela desvencilhou-se.

— Não. Eu preciso.

Ela arriou os braços e empertigou-se, observando. As pessoas ao redor acotovelavam-se para obter uma visão melhor, zombando e vaiando tão alto que tudo que estava sendo dito se tornava inaudível. Não levou muito tempo. O escravo, um homem alto e forte, agarrou o poste de atracação e sacudiu-o, testando sua firmeza. Em seguida, recuou, enquanto os dois agentes conduziam Stephen Bonnet para a estaca e enrolavam seu corpo com cordas do peito aos joelhos. O desgraçado não iria a parte alguma.

Roger achou que deveria estar buscando compaixão em seu coração, rezando pelo condenado. Não conseguiu. Tentou perdoar e também não conseguiu. Algo como um bolo de vermes remexia-se em sua barriga.

Sentia como se ele próprio estivesse amarrado a uma estaca,esperando para morrer afogado.

O ministro de casaco preto aproximou-se, os cabelos agitando-se na brisa do começo da manhã, a boca se movendo. Roger achou que Bonnet não disse nada, mas não sabia ao certo. Após alguns instantes, os homens tiraram o chapéu, ficaram parados enquanto o ministro orava, depois recolocaram os chapéus e retornaram para a praia, as botas chafurdando, atolados até o tornozelo na lama arenosa.

No instante em que os agentes desapareceram, uma torrente de pessoas despejou-se na lama: visitantes, crianças saltitando… e um homem com um bloco e um lápis, que Roger reconheceu como Amos Crupp, o atual proprietário do Wilmington Gazette.

— Bem, isso vai ser um “furo” de reportagem, não? — Roger murmurou. Independentemente do que Bonnet tenha dito — ou não —certamente haveria um volante apregoado pelas ruas amanhã, contendo ou uma fantástica confissão ou relatórios piegas de remorsos, talvez ambos.

— Ok, eu realmente não consigo ver isso. — Abruptamente, Brianna virou-se, tomando-lhe o braço.

Ela conseguiu passar pela fileira de armazéns antes de virar-se repentinamente para ele e enterrar o rosto em seu peito, irrompendo em lágrimas.

— Sssh. Está tudo certo, tudo vai ficar bem. — Deu uns tapinhas reconfortantes em Brianna, tentou infundir convicção em suas palavras,mas havia um bolo obstruindo sua própria garganta. Ele finalmente tomou-a pelos ombros e afastou-a de si, de modo a poder olhar dentro de seus olhos.

— Você não tem que fazer isso — ele disse.

Ela parou de chorar e fungou, limpando o nariz na manga como Jemmy — mas se recusando a olhá-lo nos olhos.

— É que… Estou bem. Nem é por causa dele. É só que… é tudo. M-Mandy — sua voz tremeu com a palavra — e conhecer meu irmão… Oh, Roger, se não posso contar-lhe, ele nunca saberá, e eu nunca mais o verei, nunca mais verei lorde John. Nem mamãe… — Novas lágrimas assomaram aos seus olhos, mas ela engoliu repetidas vezes, forçando-as a recuar.

— Não é por causa dele — ela disse, em uma voz embargada, exausta.

— Talvez não seja — ele disse, brandamente. — Mas ainda assim,você não precisa fazer isso. — Seu estômago ainda se revirava e sentia as mãos trêmulas, mas a determinação começava a dominá-lo.

— Eu devia ter matado Bonnet em Ocracoke — ela disse, fechandoos olhos e afastando para trás os fios soltos de seus cabelos. O sol estava mais alto agora, e brilhante. — Fui covarde. A-achei que seria mais fácil deixar…deixar a lei cuidar disso. — Abriu os olhos e desta vez realmente fitou-o diretamente, os olhos vermelhos, mas límpidos. — Não posso deixar que aconteça desta forma, mesmo que eu não tivesse dado minha palavra.

Roger compreendia; sentira o terror da maré subindo, aquele avanço inexorável da água, elevando-se em seus ossos. Levaria quase nove horas para a água alcançar o queixo de Bonnet; ele era um homem alto.

— Eu farei isso — ele disse com decisão. Ela fez uma pequena tentativa de sorrir, mas abandonou-a.

— Não — ela disse. — Não fará. — Ela parecia, e soava,completamente exaurida; nenhum dos dois havia dormido muito na noite anterior. Mas também soava determinada, e ele reconheceu o sangue obstinado de Jamie Fraser.

— Bem, droga, ele também tinha um pouco desse sangue. — Eu já lhe disse — ele falou. — O que seu pai disse, naquela vez. “SOU eu que mato por ela.” Se tem que ser feito — e ele era obrigado a concordar com ela; também ele não podia suportar aquilo —, então eu o farei.

Ela estava recobrando o autocontrole. Limpou o rosto com uma prega da saia e respirou fundo antes de olhá-lo nos olhos outra vez. Eram olhos de um azul vívido e escuro, muito mais escuro do que o céu.

— Você me contou. E também me contou por que ele disse isso, o que ele disse para Arch Bug: “Ela fez um voto.” Ela é médica, ela não mata pessoas.

Pois sim que não, Roger pensou, mas achou melhor não expressar essa opinião. Antes que pudesse pensar em algo mais diplomático, ela continuou, espalmando as mãos abertas em seu peito.

— Você também fez um — ela disse. Isso o deixou paralisado.

— Não, não fiz.

— Oh, sim, fez. — Falou com serenidade, mas foi enfática. — Talvez ainda não seja oficial, mas não precisa ser. Talvez nem tenha palavras formais, o voto que você fez; mas eu sei que fez.

Ele não podia negar e ficou emocionado que ela realmente soubesse.

— Sim, bem… — Colocou as mãos sobre as dela, envolvendo seus dedos longos e fortes. — E também fiz um a você, quando lhe contei. Eu disse que nunca colocaria Deus antes do meu… do meu amor por você. —Amor. Não acreditava que pudesse estar discutindo tal coisa em termos de amor. No entanto, tinha a mais estranha sensação de que era exatamente assim que ela via a questão.

— Eu não fiz esse tipo de voto — ela disse com firmeza, e retirou as mãos das suas. — E eu dei minha palavra.

Ela fora com Jamie, depois que escurecera na noite anterior, ao lugar onde o pirata estava sendo mantido. Roger não faz a menor ideia do tipo de suborno ou força de personalidade que foram empregados, mas foram admitidos. Jamie a trouxera de volta ao seu quarto muito tarde da noite, pálida, com um maço de papéis que entregou a seu pai. Declarações juramentadas, ela disse. Depoimentos juramentados de negócios de Stephen Bonnet com vários comerciantes acima e abaixo do litoral.

Roger lançara a Jamie um olhar fulminante e recebera outro de volta, com lucro. Isso é guerra, os olhos estreitados de Fraser diziam. E usarei qualquer arma ao meu alcance. Mas tudo que ele disse foi “Boa-noite, então, a nighean”, e tocou seus cabelos com ternura antes de ir embora.

Brianna sentara-se com Mandy e a amamentara, os olhos fechados, recusando-se a falar. Após algum tempo, as linhas de tensão em seu rosto pálido se relaxaram e ela fez o bebê arrotar e colocou-o, dormindo, no cesto. Então, veio para a cama e fez amor com ele com uma silenciosa ferocidade que o surpreendeu. Mas não tanto quanto o surpreendia agora.

— E há mais uma coisa — ela disse, sóbria e ligeiramente triste. —Sou a única pessoa no mundo para quem isto não é assassinato.

Com isso, virou-se e afastou-se rapidamente, na direção da estalagem onde Mandy aguardava para ser amamentada. Dos baixios pantanosos, ele ainda podia ouvir o som de vozes empolgadas, estridentes como gaivotas.

As duas horas da tarde, Roger ajudou sua mulher a subir em um pequeno barco a remo, amarrado ao cais perto da fileira de armazéns. A maré subira lentamente o dia todo; a água já estava com mais de um metro e meio de profundidade. Do meio da névoa brilhante e cinzenta divisava-se o aglomerado de mourões de amarração — e a pequena cabeça escura do pirata.

Brianna estava distante como uma estátua pagã, o rosto sem expressão. Ela ergueu as saias para entrar no barco e sentou-se, o peso em seu bolso batendo contra a tábua do banco.

Roger pegou os remos e começou a remar, dirigindo-se aos mourões.

Não levantariam nenhum interesse em particular; havia barcos saindo desde o meio-dia, carregando turistas que queriam ver o rosto do condenado, gritar insultos ou cortar uma mecha de seu cabelo como suvenir.

Ele não conseguia ver para onde estava indo; Brianna direcionava-o para a esquerda ou para a direita com uma inclinação silenciosa de cabeça.

Ela podia ver; sentava-se empertigada e alta, a mão direita escondida na saia.

Então, ela ergueu a mão esquerda repentinamente e Roger parou os remos e usou um deles ara empurrar, fazendo a minúscula embarcação dar meia-volta.

Os lábios de Bonnet estavam rachados, o rosto com fissuras e crostas de sal, as pálpebras tão vermelhas que ele mal conseguia abrir os olhos.

Mas sua cabeça se ergueu quando eles se aproximaram, e Roger viu um homem devastado, impotente e aterrorizado com o iminente abraço do mar – tanto assim que ele anseia por seu toque sedutor, cedendo seu corpo aos dedos frios e ao beijo irresistível que rouba sua respiração.

— Você demorou muito, querida — ele disse a Brianna, e os lábiosrachados apartaram-se em um sorriso que abriu as rachaduras e deixousangue em seus dentes. — Mas eu sabia que você viria.

Roger trabalhava com um dos remos, mantendo o barco perto do poste, depois ainda mais perto. Ele olhava por cima do ombro quando Brianna tirou a pistola de cabo dourado de seu bolso e colocou o cano no ouvido de Stephen Bonnet.

— Vá com Deus, Stephen — ela disse claramente, em gaélico, epuxou o gatilho. Em seguida, largou a pistola na água e virou-se para seumarido.

— Vamos para casa, ela disse.

Fonte: Diana Gabaldon
Data de publicação: 27/04/2020

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