3ª Temporada,  Série

Livro vs Série – 3×03 – All Debts Paid

Querida Sassenach, você é apaixonada por Lord John Grey? Então esse episódio é todo seu. Nossa retrospectiva chegou ao terceiro episódio da terceira temporada, All Debts Paid, no qual somos apresentadas ao nosso querido e amado Lord John, em sua versão adulta. No entanto, ele não é o foco principal da nossa análise. Vamos para o comparativo e vocês vão entender.

Toda a trama passada em Ardsmuir foi muito fiel, salvo por pequenas adaptações em algumas cenas. Podemos destacar duas grandes mudanças nesse núcleo. A primeira delas, a presença de Murtagh, que no livro foi morto na batalha de Cullodem, fato que o Jamie tem total consciência. Outra foi uma cena cortada. Na série, vemos Murtagh guardando um pedaço de tartã, algo que nunca é detectado pelos guardas. No livro, quem guarda o tal tecido é um jovem MacKenzie, e aqui os guardas encontram o retalho em uma inspeção. Jamie prontamente assume como sendo seu, devido ao lado MacKenzie de sua família, e com isso a punição. Ah! Isso ocorre depois da fuga de Jamie, dele se entender com Grey e de ele dar uma cortada em qualquer sentimento do major (sim, como na série rs). Confira o trecho:

— É seu, MacKenzie. Não é? — perguntou Grey. Arrancou o pedaço de pano da mão do cabo e enfiou-o sob o nariz do rapaz. O prisioneiro ficou lívido sob as manchas de sujeira. Seu maxilar estava cerrado com força e ele respirava com dificuldade pelo nariz com um leve som sibilante.
Grey transpassou o jovem prisioneiro com um olhar severo e triunfante. O jovem escocês possuía aquele núcleo central de ódio implacável que todos eles possuíam, mas não conseguira erigir a muralha de estoica indiferença que o escondesse. Grey podia sentir o medo crescente do jovem; mais um segundo e ele desmoronaria.
— É meu. — A voz era calma, quase entediada, e falou com tamanha indiferença que nem MacKenzie nem Grey a registraram imediatamente. Mantiveram o olhar preso um no outro, até que a enorme mão passou por cima do ombro de Angus MacKenzie e delicadamente arrancou o pedaço de tecido da mão do oficial.
John Grey deu um passo para trás, sentindo as palavras como um golpe na
boca do seu estômago. Esquecendo-se de MacKenzie, ergueu os olhos os muitos
centímetros necessários para olhar Jamie Fraser diretamente no rosto.
— Não é um tartã dos Fraser — disse ele, sentindo as palavras forçarem sua passagem por entre lábios de madeira. Todo o seu rosto parecia entorpecido, um fato pelo qual estava vagamente agradecido; ao menos, sua expressão não poderia traí-lo diante das fileiras de prisioneiros que os observavam.
A boca de Fraser alargou-se ligeiramente. Grey mantinha os olhos fixos nela, com receio de fitar os olhos azul-escuros acima.
— Não, não é — concordou Fraser. — É MacKenzie. O clã de minha mãe.
Em algum canto remoto de sua mente, Grey armazenou mais uma minúscula migalha de informação com o pequeno tesouro de fatos mantidos no cofre de joias identificado com a etiqueta “Jamie” — sua mãe era uma MacKenzie. Sabia que isso era verdade, exatamente como sabia que o tartã não pertencia a Fraser.
Ouviu a própria voz, fria e firme, dizendo:
— A posse de tartãs de clã é ilegal. Conhece a pena, é claro?
A boca larga curvou-se num sorriso enviesado.
— Sim.
[…]
— … em desrespeito ao Diskilting Act, aprovado pelo Parlamento de Sua Majestade, por cujo crime a sentença de sessenta chibatadas deve ser infligida.
Grey olhou com um distanciamento profissional para o sargento encarregado dos cavalos, designado para aplicar a pena; não era a primeira vez para nenhum dos dois. Não fez um novo sinal com a cabeça; a chuva ainda caía pesadamente. Em vez disso, semicerrou os olhos e pronunciou as palavras de praxe:
— Sr. Fraser, sofra sua punição.
E permaneceu ali de pé, olhando fixamente para a frente, observando e ouvindo o baque surdo do açoite e o ronco da respiração do prisioneiro, forçada através da mordaça pelo golpe.
Os músculos do prisioneiro enrijeceram-se em resistência à dor. Repetidamente, até que cada músculo se destacasse separadamente sob a pele. Seus próprios músculos doíam de tensão, e ele mudou o peso do corpo discretamente de uma perna para a outra, conforme a monótona brutalidade prosseguia. Filetes vermelhos escorriam pela espinha do prisioneiro, sangue misturado à água, manchando o tecido das calças. […]
— Trinta! — disse o sargento.
O major Grey puxou a gaveta mais baixa da escrivaninha e vomitou por cima de uma pilha de requisições.

As principais mudanças e cortes ocorreram no futuro, no núcleo de Claire. A série resumiu a história da vida da nossa viajante, focando em sua vida com Frank e os problemas que o casal enfrentou até a morte do historiador. Houve uma cena que foi cortada, na qual Brianna sofre um acidente por ficar sozinha em casa. Nesse momento Claire pensa em desistir dos estudos, mas Frank intervém e diz que vai passar a ajudar mais com a filha para que a esposa não desista de seu sonho de ser médica. Essa foi uma cena que a própria Caitriona Balfe disse em entrevistas que gostaria que estive na série.

Confira o trecho:

Minha mente voltou ao dia assustador em que recebi um chamado no hospital, dizendo-me que Brianna estava ferida. Saí às pressas do hospital, sem parar para tirar o uniforme de linho verde que estava usando, e corri para casa, ignorando todos os limites de velocidade.
Deparei-me com um carro da polícia e uma ambulância iluminando a noite com sua luz vermelho-sangue intermitente e um grupo de vizinhos curiosos amontoados na rua.
Quando conseguimos montar a história mais tarde, o que acontecera é que a babá temporária mais recente, aborrecida por eu estar atrasada e ela ter que ficar além da hora outra vez, simplesmente vestira o casaco no seu horário de saída e fora embora, abandonando Brianna, aos sete anos, com as instruções “espere a mamãe”. Isso ela obedientemente fez por mais ou menos uma hora. Mas quando começou a escurecer, ela ficou com medo de ficar sozinha em casa e resolveu sair e ir ao meu encontro. Ao cruzar uma das ruas movimentadas perto de casa, fora atropelada por um carro que entrava na rua.
Ela — graças a Deus! — não se ferira gravemente; o carro estava em baixa velocidade e ela saiu da experiência apenas abalada e com algumas contusões. Aliás, não tão abalada quanto eu. Nem tão machucada como eu, quando entrei na sala e a encontrei deitada no sofá; ela olhou para mim, as lágrimas escorrendo de novo pelo rostinho molhado e disse: “Mamãe! Onde você estava? Não consegui encontrar você!”. […]
— Não aguento mais. — Eu nunca adicionava creme nem açúcar ao meu chá. Desta vez, acrescentei ambos, mexendo e observando os filetes de creme girarem pela xícara. — Não aguento mais deixar Bree, sem saber se estão cuidando bem dela… e sabendo que ela não está feliz. Você sabe que ela não gosta realmente de nenhuma das babás que experimentamos.
— Sim, eu sei disso. — Sentou-se à minha frente, mexendo seu próprio chá. Após um longo instante, ele disse: — Mas não acho que deva desistir.
Era a última coisa que eu esperava ouvir; achei que ele receberia minha decisão com aprovação e alívio. Fitei-o, perplexa, depois assoei o nariz outra vez no lenço de papel que estava no meu bolso.
— Não?
— Ah, Claire. — Falou com impaciência, mas ainda assim com um toque de afeição. — Você sempre soube quem você era. Não percebe o quanto esse conhecimento é incomum? […]
— Eu não tenho isso — disse ele finalmente. — Eu sou bom no que faço, tudo bem. Ensinar, escrever. Na realidade, excelente às vezes. E gosto muito do que faço. Mas a questão é… — Hesitou, depois me olhou diretamente, os olhos castanho-claros ansiosos. — Eu poderia fazer outra coisa e ser igualmente bom. Dedicar-me muito ou pouco.
Não possuo esta convicção absoluta de que existe algo na vida que estou destinado a fazer… mas você possui.
— E isso é bom? — As minhas narinas ardiam e meus olhos estavam inchados de tanto chorar.
Ele deu uma risadinha curta.
— É extremamente inconveniente, Claire. Para você, para mim e para Bree, para nós três. Mas, por Deus, eu às vezes a invejo.
Estendeu o braço para segurar minha mão e, após um momento de hesitação, deixei que a tomasse.
— Sentir essa paixão por alguma coisa — um pequeno tremor repuxou o canto de sua boca — ou alguém. Isso é absolutamente esplêndido, Claire, e muito raro. — Apertou minha mão delicadamente e soltou-a, virando-se para trás para pegar um livro da estante ao lado da mesa. […]
— Eu levarei Bree.
Eu estava tão absorta em meus pensamentos infelizes que, por um instante, as palavras de Frank se perderam e eu o fitei com um ar estúpido.
— O que foi que você disse?
— Eu disse — repetiu ele pacientemente — que levarei Bree. Ela pode ir da escola para a universidade e ficar na minha sala até eu voltar para casa.
Esfreguei o nariz.
— Achei que você não achasse correto que os funcionários levassem os filhos para o trabalho. — Ele criticara severamente a sra. Clancy, uma das secretárias, que levara seu neto para o trabalho durante um mês quando a mãe dele ficou doente.
Ele deu de ombros, um pouco constrangido.
— Bem, as circunstâncias obrigam mudanças. E não é provável que Brianna fique correndo para cima e para baixo nos corredores gritando e derramando tinta como Bart Clancy.
— Eu não apostaria minha vida nisso — disse ironicamente. — Mas você faria isso? — Um pequeno sentimento crescia na boca do meu estômago contraído; um cauteloso, incrédulo, sentimento de alívio. Eu podia não confiar que Frank fosse fiel a mim, eu sabia muito bem que não era, mas eu confiava nele inequivocamente em se tratando de Bree.
De repente, toda a minha preocupação se desfez. Eu não precisava mais sair correndo do hospital para casa, aterrorizada porque estava atrasada, odiando a ideia de encontrar Brianna encolhida em seu quarto, aborrecida, porque não gostava da babá atual. Ela amava Frank; eu sabia que ela iria ficar encantada com a ideia de ir para o gabinete dele todos os dias.
— Por quê? — perguntei diretamente. — Não é por você estar empolgado com a ideia de eu me tornar médica, eu sei disso.
— Não — disse ele, pensativamente. — Não é isso. Mas eu realmente acho que não há nenhum modo de impedi-la… talvez, o melhor que eu possa fazer seja ajudá-la, de modo que haja menos danos para Brianna. — Suas feições endureceram ligeiramente e ele se afastou.

‘Nossa, o Frank foi tão legal aqui! Apoiou a Claire, disse pra ela seguir o sonho!’
Sasse, não se empolgue. O sr. Randall não era esse anjo todo não. Outra cena modificada foi o pedido de divórcio. Na série, Frank espera Brianna se formar no ensino médio, dando a entender que quer ser feliz com sua amante de longa data, alguém que Claire tinha ciência. No livro, eles nunca fazem nenhum acordo de um relacionamento mais aberto. Continuam casados, porém Frank sente o distanciamento de Claire, e ela por sua vez tem conhecimento que o marido teve diversos casos ao longo dos anos (ele achando que a enganava). O pedido de separação vem quando Bree ainda está cursando o último ano. Frank insinua que a relação da esposa com o amigo médico, Joe Abernathy, seja mais que amizade e ainda faz comentários bem preconceituosos sobre a amizade da filha com o filho de Joe. A base a é mesma, ir pra Inglaterra e levar Bree junto, porém os motivos e a briga são mais intensos.

Gosta de trechão? Então confira toda a briga do casal Randall:

— Meu ano sabático. — Sua licença da universidade estava programada para começar dentro de um mês. Ele planejara fazer uma série de pequenas viagens pelo nordeste dos Estados Unidos, coletando material, depois iria para a Inglaterra por seis meses, retornando a Boston para passar os últimos três meses da licença escrevendo. — Eu havia pensado em ir direto para a Inglaterra — disse ele cautelosamente.
— Bem, por que não? O clima estará terrível, mas se vai passar a maior parte do tempo em bibliotecas…
— Quero levar Brianna comigo.
Fiquei paralisada, o frio no quarto repentinamente se aglutinando em um pequeno grumo de suspeita na boca do estômago.
— Ela não pode ir agora, falta apenas um semestre para se formar. Certamente você pode esperar até nós irmos ao seu encontro no verão, não é? Já entrei com o pedido de férias de verão e talvez…
— Eu vou agora. Definitivamente. Sem você.
Afastei-me abruptamente e sentei-me na cama, acendendo a luz. Frank estava deitado, piscando, os cabelos escuros desgrenhados. Tornaram-se grisalhos nas têmporas, conferindo-lhe um ar distinto que parecia ter efeitos alarmantes nas suas alunas mais suscetíveis. Eu me sentia surpreendentemente calma.
— Por que agora, de repente? Ela está pressionando-o, é isso?
O olhar de espanto que atravessou seus olhos foi tão evidente que chegou a ser cômico. Eu ri, com uma visível falta de humor.
— Você realmente pensava que eu não sabia? Meu Deus, Frank! Você é a pessoa mais… desligada que conheço!
Ele sentou-se ereto na cama, os maxilares contraídos.
— Achei que eu era discreto.
— Você pode até ter sido — disse ironicamente. — Contei seis nos últimos dez anos. Se houve cerca de uma dúzia, então você foi um modelo de discrição.
Seu rosto raramente demonstrava grande emoção, mas uma lividez em torno de sua boca disse-me que ele estava furioso de verdade.
— Esta deve ser muito especial — eu disse, cruzando os braços e recostando-me na cabeceira da cama com presumida descontração.
— Mesmo assim, por que a pressa em ir para a Inglaterra agora, e por que levar Bree?
— Ela pode ir para um internato para terminar o último período — disse ele de maneira sucinta. — Será uma nova experiência para ela.
— Não uma experiência que eu ache que ela queira — eu disse. — Ela não vai querer deixar seus amigos, especialmente logo antes da formatura. E certamente não para ir para um internato inglês! — Estremeci diante da ideia. Eu mesma quase fora confinada numa instituição desse tipo quando criança; o cheiro da lanchonete do hospital às vezes evocava lembranças daquela escola, junto com as ondas de terror e desamparo que eu sentira quando tio Lamb me levou para conhecer o lugar.
— Um pouco de disciplina não faz mal a ninguém — disse Frank. Mostrava-se mais sereno, mas as linhas de seu rosto ainda estavam tensas. — Teria lhe feito bem. — Abanou a mão, descartando o assunto.
— Deixe isso pra lá. De qualquer modo, resolvi voltar para a Inglaterra definitivamente. Ofereceram-me um bom cargo em Cambridge e pretendo aceitá-lo. Você não vai deixar o hospital, é claro. Mas não pretendo deixar minha filha para trás.
— Sua filha? — Senti-me de repente sem fala. Então ele tinha um novo emprego completamente arranjado e uma nova amante para acompanhá-lo. Portanto, havia planejado tudo durante bastante tempo. Uma vida inteiramente nova, mas não com Brianna.
— Minha filha — disse ele calmamente. — Você pode vir nos visitar sempre que quiser, é claro…
— Seu… maldito… canalha! — disse.
— Seja razoável, Claire. — Olhou-me de cima, com aquele ar de longa paciência e tolerância, reservado para alunos de notas baixas.
— Você quase nunca está em casa. Se eu não estiver aqui, não haverá ninguém para cuidar de Bree adequadamente.
— Você fala como se ela tivesse oito anos e não quase dezoito! Pelo amor de Deus, ela é quase uma adulta.
— Mais razão ainda para precisar de atenção e supervisão — retrucou ele. — Se você visse o que eu vejo na universidade… bebidas, drogas e…
— Eu sempre vejo — eu disse entre dentes. — Bem de perto, na sala de emergência. Bree não vai…
— Claro que vai! As jovens não têm nenhuma noção nesta idade, ela vai sair com o primeiro sujeito que…
— Não seja idiota! Bree é muito sensata. Além do mais, todos os jovens experimentam, é assim que aprendem. Não pode mantê-la presa em casa a vida toda.
— Melhor presa do que fazendo sexo com um negro! — disparou ele. Uma tênue mancha vermelha surgiu em suas maçãs do rosto. — Tal mãe, tal filha, hein? Mas não vai ser assim, droga, não se eu tiver alguma coisa a dizer!
Saí da cama e fiquei de pé, olhando-o com raiva.
— Você — disse — não tem nenhuma maldita palavra para dizer, nem sobre Bree, nem sobre qualquer outra coisa! — Eu tremia de raiva e tive que pressionar os punhos cerrados ao lado do corpo para não agredi-lo. — Você tem o desplante absoluto de me dizer que está indo embora, para viver com a última de uma sucessão de amantes, e depois insinuar que tenho um caso com Joe Abernathy? É isso que você quer dizer, não é?
Ele teve a decência de abaixar um pouco os olhos.
— Todo mundo acha que você tem — murmurou ele. — Você passa todo o seu tempo com o sujeito. Dá na mesma, no que diz respeito a Bree. Arrastando-a para… situações onde ela é exposta a perigos e… e para aquele tipo de gente…
— Negros, é o que você quer dizer, não?
— É isso mesmo — disse ele, erguendo os olhos chispantes para mim. — Já não basta ter os Abernathy nas festas o tempo todo, embora ao menos ele seja educado. Mas aquele sujeito obeso em sua casa com tatuagens tribais e gosma nos cabelos? Aquele lagarto repulsivo de voz pastosa? E o filho de Abernathy rondando Bree dia e noite, levando-a a passeatas e protestos e orgias em inferninhos suspeitos…
— Não creio que existam inferninhos no céu — disse, reprimindo uma inconveniente vontade de rir com a indelicada, mas precisa descrição de Frank dos dois amigos mais excêntricos de Leonard Abernathy. — Sabia que Lenny trocou de nome? Agora chama-se Muhammad Ishmael Shabazz.
— Sim, ele me disse — respondeu ele laconicamente —, e eu não vou correr nenhum risco de minha filha vir a se chamar sra. Shabazz.
— Não acho que Bree se sinta assim em relação a Lenny — assegurei-lhe, lutando para dominar minha irritação.
— E também não vai mesmo. Ela vai para a Inglaterra comigo.
— Não, se ela não quiser — disse, com decisão.

Sem dúvida percebendo que sua posição o colocava em desvantagem, Frank saiu da cama e começou a tatear em busca dos chinelos.
— Não preciso de sua permissão para levar minha filha para a Inglaterra — disse ele. — E Bree ainda é menor de idade, terá de ir para onde eu disser. Agradeço se puder me dar seu histórico médico, a nova escola vai pedir.
— Sua filha? — disse outra vez. Notei vagamente a friagem no quarto, mas estava com tanta raiva que sentia todo o corpo afogueado.
— Bree é minha filha e você não vai levá-la a lugar algum!
— Não pode me impedir — ressaltou ele, com uma calma irritante, pegando o robe aos pés da cama.
— É o que você pensa — eu disse. — Quer se divorciar de mim? Muito bem. Use qualquer motivo que quiser, com exceção de adultério, que não pode provar, porque não existe. Mas se tentar levar Bree com você, terei uma ou duas coisas a dizer a respeito de adultério. Quer saber quantas amantes que você abandonou foram me procurar para me pedir que abrisse mão de você?
Ele ficou boquiaberto, em estado de choque.
— Eu disse a todas elas que abriria mão de você na mesma hora — continuei —, se você pedisse. — Cruzei os braços, enfiando as mãos sob as axilas. Estava começando a sentir a friagem outra vez. — Na verdade, sempre me perguntei por que você nunca pediu, mas imagino que tenha sido por causa de Brianna.
Seu rosto ficara completamente exangue, assomando branco como um crânio na penumbra do outro lado da cama.
— Bem — disse ele, com uma fraca tentativa de recompor o seu autocontrole habitual —, eu não achei que se importasse. Você nunca fez nenhuma tentativa de me impedir.
Fitei-o, completamente surpresa.
— Impedi-lo? — disse. — O que eu deveria ter feito? Abrir sua correspondência com vapor e sacudir as cartas sob seu nariz? Fazer uma cena na faculdade na festa de Natal? Queixar-me com o reitor?
Apertou os lábios com força por um instante, depois relaxou.
— Poderia ter demonstrado que se importava — disse ele à meiavoz.
— E me importava. — Minha voz soou entrecortada.
Ele sacudiu a cabeça, ainda me fitando, os olhos escuros à luz do abajur.
— Não o suficiente. — Parou, o rosto flutuando, pálido, no ar acima de seu robe escuro, depois deu a volta na cama para colocar-se ao meu lado. — Às vezes, eu me perguntava se teria o direito de censurála — disse ele, quase pensativamente. — Ele se parecia com Bree, não é? Ele era como ela?
— Sim.
Respirou ruidosamente, quase arfando.
— Eu podia ver em seu rosto… quando você olhava para ela, podia ver você pensando nele. Droga, Claire Beauchamp — disse ele, quase num sussurro. — Você e esse seu rosto que não consegue esconder nada do que pensa ou sente.
Houve um silêncio depois disso, do tipo que nos faz ouvir todos os minúsculos e quase inaudíveis ruídos de madeira estalando e casas respirando quando tentamos fingir que não ouvimos o que acabou de ser dito.
— Eu realmente amei você — eu disse baixinho, finalmente. — Um dia.
— Um dia — repetiu ele. — Devo ficar agradecido por isso?
A sensação começava a voltar aos meus lábios dormentes.
— Eu lhe contei — disse. — E depois, quando você não quis ir embora… Frank, eu realmente tentei.
O que quer que ele tenha ouvido em minha voz o fez parar por um instante.
— Mesmo — acrescentei, num sussurro.
Ele virou-se e dirigiu-se à penteadeira, onde ficou tocando nos objetos agitadamente, apanhando-os e colocando-os de novo sobre o móvel, aleatoriamente.
— No começo, eu não podia deixá-la… grávida, sozinha. Só um canalha o faria. E depois… Bree. — Olhou cegamente para o batom que segurava na mão, depois o colocou delicadamente de volta no tampo lustroso. — Não podia abrir mão dela — disse ele baixinho.
Virou-se para olhar para mim, os olhos eram dois buracos escuros num rosto ensombreado. — Sabia que eu não podia gerar um filho? Eu… fiz um exame, há alguns anos. Sou estéril. Sabia?
Sacudi a cabeça, sem conseguir falar.
— Bree é minha, minha filha — disse ele, como se falasse consigo mesmo. — O único filho que terei. Não podia abrir mão dela. — Deu uma risada curta. — Eu não podia abrir mão dela, mas você não podia vê-la sem pensar nele, não é? Sem essa lembrança permanente, eu me pergunto… você o teria esquecido com o tempo?
— Não. — A palavra, apenas um murmúrio, pareceu percorrê-lo como um choque elétrico. Ficou paralisado por um instante, depois girou nos calcanhares, dirigiu-se ao closet e começou a vestir roupas por cima do pijama. Fiquei parada, os braços em volta do corpo, observando-o vestir o sobretudo e sair do quarto batendo os pés, sem olhar para mim. A gola de seu pijama de seda azul sobressaía por cima da borda de astracã do seu casaco.

E com isso ficamos por aqui. Curtiu o episódio? Faria alguma mudança? Comente, deixe sua opinião!

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One Comment

  • Lays Viana

    Nossa, eu realmente gosto mto do Frank. Que homem da época dele faria o q ele fez? Ele se esforçava para quebrar paradigmas, ele as amava demais, mas tbm tinha mto ressentimento. Se Claire pudesse ter amado ele de novo ele seria o Homem mais feliz e fiel. Mas ela não conseguia, imagino eu, além do amor pelo Jamie tem o pelo fato dele ser tão parecido com Black Jack, e no fundo Frank mesmo com toda sua diplomacia, tinha traços da personalidade raivosa de Jack. Foram muitos traumas, ela nunca conseguiria olhar pra ele da mesma forma. Pena o personagem de Frank ter sido tão cortado, gostaria de ter visto mais dele, amo esse ator!! Tô louca pra ler esse livro pra conseguir ver essas nuances do relacionamento deles.

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