Livro vs Série – 2×02 – Not in Scotland Anymore
É Sasses, parece que não estamos mais na Escócia, não é mesmo? Hehehe… Neste segundo episódio, a série apresenta diversas novas adaptações. É interessante observar que a construção da segunda temporada é diferente, a história original tem uma progressão mais lenta, muito rica em detalhes e tramas. O que mais podemos observar em que questões de adaptação são pequenas reorganizações de enredos, resumo de outros, porém com a essência da história ainda sendo apresentada ali. Vamos então para a nossa análise do segundo episódio, nos atendo às principais alterações de enredo.
Sobre a estrutura, que talvez seja a principal mudança, nosso casal está em Paris, na casa de Jared, que os acompanha nas primeiras semanas. Logo de início Claire descobre informações úteis com os empregados, como o caso do príncipe Charlie, que será abordado alguns episódios à frente. Devido a influência de Jared, nosso casal começa a se introduzir na corte parisiense, comparecendo em festas, bailes e jantares, e, eventualmente, convites reais. Tudo vai ocorrendo de forma bem orgânica. Alguns acontecimentos se dão em ordem diferente, no fim a série retrata o mesmo objeto, porém algumas questões são modificadas. Houve mudanças também em alguns personagens, especialmente a forma como foram apresentados.
Vamos começar com nosso amado Jamie? A série mostra o trauma do nosso escocês, que mal consegue tocar sua esposa. Também mostra Jamie se adaptando à sociedade de Paris, vestindo calças. Ambas são mudanças para série. Claire conseguiu fazer Jamie romper seu trauma ainda no final do primeiro livro, e em Paris eles vivem bem como marido e mulher, apesar dos pesadelos ocorrem, porém não frequentemente. Outro ponto, Jamie, como bom escocês, não abre mão de seu kilt, isso faz com ele chame ainda mais atenção na corte. Confira dois trechos, um sobre os pesadelos, outro do nosso highlander na corte:
“— Jamie. Deixe-me abraçá-lo — falei num sussurro, tentando acalmar o furor que eu podia sentir correndo pelo seu sangue. Suas mãos agarravam meus braços com tanta força que eles ficaram dormentes, mas ele não permitia que eu me aproximasse. Mantinha-me à distância com a mesma força com que se agarrava a mim.
De repente, soltou-me, afastando-se com um salto e virando-se para a janela banhada pelo luar. Permaneceu ali, tenso e trêmulo, como a corda de um arco que tivesse acabado de lançar uma flecha, mas sua voz era calma.
— Não. Não vou usá-la dessa forma, Sassenach. Você não vai fazer parte disso. Dei um passo em sua direção, mas ele me impediu com um movimento rápido. Voltou a virar o rosto para a janela, agora calmo e vazio como o vidro através do qual ele olhava.
— Vá para a cama, Sassenach. Deixe-me um pouco sozinho; logo estarei bem. Não há nada com que se preocupar agora.
Estendeu os braços, agarrando o batente da janela, encobrindo a luminosidade com seu corpo. Os músculos de seus ombros avolumaram-se e eu pude perceber que ele empurrava a madeira com todas as suas forças.
— Foi só um sonho. Jack Randall está morto.
[…]
Vestido de kilt e xale de tartã, mas com um casaco e colete de seda amarela reforçada, e com seus cabelos flamejantes soltos até os ombros, uma única trança pequena de um lado, de acordo com antigo costume escocês, Jamie definitivamente se qualificava. Ao menos, achei que tinha sido Jamie quem atraíra a atenção do rei, quando le rois Louis deu uma guinada de forma resoluta e veio em nossa direção, apartando a multidão diante dele como as ondas do mar Vermelho. Madame Nesle de La Tourelle, que reconheci de uma festa anterior, seguia-o de perto como um pequeno barco na esteira de um navio.
Eu havia me esquecido do vestido vermelho; Sua Majestade parou diretamente à minha frente e fez uma mesura exagerada, a mão sobre a cintura.
— Chère madame! — disse ele. — Estamos encantados!
Ouvi Jamie inspirar fundo, em seguida deu um passo à frente e fez uma reverência para o rei.
— Permita-me apresentar-lhe minha mulher, Vossa Majestade: a senhora de Broch Tuarach. — Ergueu-se e deu um passo para trás. Atraída por um ligeiro meneio da mão de Jamie, olhei para ele por um instante, sem compreender, até perceber repentinamente que ele estava me sinalizando para fazer uma reverência.”
Outra personagem que teve sua história adaptada foi Louise de La Tour de Rohan, que na série é apresentada como uma marquesa, e originalmente é uma princesa. O estranho nessa mudança é que a princesa foi uma personagem histórica real. Parte da amizade de Louise e Claire acontece quando ambas passam a conviver no coro real, sim nossa viajante canta, a contragosto, mas canta no livro. É no coral que Claire conhece Mary Hawkins. Confiram um trecho:
“A casa dos Rohan — se fosse possível usar uma palavra simples como “casa” para descrever tal lugar — estava iluminada com lanternas penduradas por todo o quintal e bordas do terraço. Enquanto herr Gerstmann rebocava-me pelos corredores, pude ver criados apressados entrando e saindo dos salões de jantar, estendendo toalhas de linho e arrumando a prataria para o banquete que seria servido mais tarde. A maior parte dos “salões” eram cômodos pequenos, íntimos, mas a princesa Louise de La Tour de Rohan era uma personalidade expansiva. […]
A própria Louise estava com o grupo de cantores na sala de música, agitando o corpo roliço de um a outro, conversando e rindo. Ao me ver, disparou pela sala tão depressa quanto suas saias permitiam, o rosto sem graça radiante de entusiasmo.
— Ma chère Claire! — exclamou ela, confiscando-me bruscamente de herr Gertsmann. — Chegou bem na hora! Venha, tem que conversar com essa tola criança inglesa por mim.
A “tola criança inglesa” era de fato muito jovem; uma garota de não mais do que quinze anos, com os cabelos escuros penteados em cachos brilhantes, as bochechas tão afogueadas de constrangimento que me fez lembrar uma brilhante papoula. Na realidade, foram as maçãs do rosto que me fizeram lembrar da jovem que eu vira no jardim de Versalhes, pouco antes da perturbadora aparição de Alexander Randall.
— Madame Fraser também é inglesa — explicou Louise à jovem. — Ela logo a fará sentirse em casa. Ela é tímida — continuou Louise, voltando-se para mim sem fazer uma pausa para respirar. — Converse com ela. Convença-a a cantar conosco. Garantiram-me que ela tem uma bela voz. Pronto, mes enfants, divirtam-se! — E com um tapinha de bênção, partiu para o outro lado da sala, exclamando, adulando, admirando-se com o vestido de uma recém-chegada, parando para afagar uma criança obesa sentada ao cravo, enrolando os cachos dos cabelos do menino nos dedos enquanto conversava com o duque de Castellotti.
— Dá até cansaço só de observá-la, não é? — disse em inglês, sorrindo para a jovem. Um leve sorriso surgiu em seus próprios lábios e ela assentiu rapidamente, mas não falou. Pensei que tudo aquilo devia ser um pouco assustador; as festas de Louise tendiam a fazer minha cabeça girar e a pequena papoula parecia ter acabado de sair da escola.
— Sou Claire Fraser — disse —, mas Louise não se lembrou de me dizer o nome da menina. — Parei, à espera, mas ela não respondeu. Seu rosto ficou ainda mais vermelho, os lábios pressionados com força e os punhos cerrados junto às laterais do corpo. Fiquei um pouco assustada diante de sua aparência, mas ela por fim conseguiu reunir forças para falar. Respirou fundo e ergueu o queixo como alguém prestes a subir ao cadafalso.
— M-m-meu nome é… M-M-M — começou, e logo compreendi o motivo de seu silêncio e de sua timidez. Ela fechou os olhos, mordendo o lábio com força, depois reabriu os olhos e heroicamente fez nova tentativa. — M-M-Mary Hawkins — conseguiu dizer. — Eu n-n-não sei cantar — acrescentou ela audaciosamente.”
O aparecimento do Duque de Sandringham é rápido, uma vez que apenas na série há a antecipação da animosidade entre nosso trio, Jamie, Claire e Murtagh, e o Duque. O encontro entre Claire e Alex Randall também ocorre de forma bem diferente. Em passeio pelos jardins de Versalhes junto com a corte, Claire vê o jovem secretário e passa mal, chegando a desmaiar, tamanha sua semelhança com Frank e com seu irmão, Black Jack. Jamie também fica chocado com a semelhança, mas ele vê Alex mais para frente na festa. Alex no livro também segue uma vocação religiosa, porém não fica clara a religião. Nesse primeiro e rápido encontro, o capitão Randall não é mencionado. Nossa viajante descobre que ele não morreu algum tempo depois. Confira o trecho do encontro:
“Dois homens estavam ajoelhados no chão de terra, ao meu lado. Jamie à direita, os olhos arregalados e o rosto pálido como as flores de espinheiro acima dele. E à minha esquerda…
— A senhora está bem, madame? — Os olhos claros cor de mel demonstravam apenas uma preocupação respeitosa, as sobrancelhas escuras e bem delineadas inquisitivamente arqueadas acima deles. Não era Frank, é claro. Nem era Jonathan Randall. Aquele homem era uns dez anos mais novo do que o capitão, talvez quase da minha idade, o rosto pálido e sem rugas de exposição ao tempo. Os lábios possuíam as mesmas linhas esculpidas a cinzel, mas não possuíam as marcas de crueldade que delineavam a boca do capitão.
— Você… — disse com a voz rouca, inclinando o corpo para longe dele. — Você é…
— Alexander Randall, escudeiro, madame — respondeu ele rapidamente, fazendo um gesto em direção à cabeça, como se fosse tirar um chapéu que não estava usando. — Acho que não nos conhecemos, não é? — disse, sem muita certeza.
— Eu… quero dizer… hã… não, não nos conhecemos — disse, deixando-me cair de volta nos braços de Jamie. O braço estava firme como uma grade de ferro, mas a mão que segurava a minha tremia, e eu puxei nossas mãos entrelaçadas para baixo das pregas da minha saia para esconder tal fato.
— Uma apresentação um tanto informal, sra., hã, não… é lady Broch Tuarach, não é? — A voz alta, sibilante, atraiu minha atenção para algum ponto acima e atrás de mim. Depareime com o semblante afogueado, querubínico, do duque de Sandringham espreitando com interesse por cima dos ombros do conde de Sévigny e do duque d’Orleans. Empurrou seu corpo desajeitado pela estreita abertura permitida e estendeu a mão para ajudar-me a levantar. Ainda segurando minha palma suada, inclinou a cabeça para Alexander Randall, escudeiro, que franzia o cenho, desconcertado.
— O sr. Randall trabalha para mim como secretário, lady Broch Tuarach. As Ordens Sagradas são uma vocação nobre, mas infelizmente a nobreza de propósitos não paga a conta do sapateiro, não é, Alex? — O jovem enrubesceu ligeiramente diante da alfinetada, mas inclinou a cabeça cortesmente para mim, aprovando a apresentação de seu empregador.
Somente então percebi a vestimenta negra e sóbria e o colarinho branco que o identificavam como alguma espécie de sacerdote júnior.
— Sua Excelência tem razão, senhora. E assim sendo, devo considerar sua oferta de emprego com a mais profunda gratidão. — Um ligeiro endurecimento das linhas dos lábios durante o discurso pareceu indicar que a gratidão sentida talvez não fosse tão profunda assim, apesar das palavras amáveis. Olhei para o duque, deparando-me com seus pequenos olhos azuis enrugados contra o sol, a expressão impenetrável.”
No um aspecto geral, a história vai seguindo o seu próprio ritmo, porém levando ao mesmo objetivo. Houve outras adaptações ao longo do episódio, um personagem aqui, onde seria outro, uma presença extra na corte lá, porém não vamos nos estender. Posso, no entanto, trazer uma cena bônus. Os fãs gostam muito da sequência em que Claire apresenta a depilação a Jamie, porém no livro é diferente, fiquem esse momento original do nosso casal:
“Ergui os braços para trás, a fim de juntar meus cabelos e fazer um coque. De repente, Jamie inclinou-se para a frente e agarrou meu pulso, esticando meu braço para cima.
— O que está fazendo? — perguntei, levando um susto.
— O que você andou fazendo, Sassenach? — perguntou ele. Olhava fixamente para minha axila.
— Depilei — disse com orgulho. — Ou melhor, tirei com cera. Louise estava com sua servante aux petits soins, você sabe, sua ajudante de embelezamento. Ela estava lá hoje de manhã e me depilou também.
— Com cera? — Jamie olhou espantado para a vela no castiçal, junto ao jarro d’água, depois de novo para mim. — Você colocou cera nas axilas?
— Não esse tipo de cera — assegurei-lhe. — Cera de abelhas perfumada. A mulher aqueceu a cera, depois espalhou a cera morna na pele. Quando esfria, é só puxar — encolhime involuntariamente diante da lembrança —, e isso não é nenhum bicho de sete cabeças.
— Não conheço nenhum bicho com sete cabeças — disse Jamie com ar severo. — Por que diabos haveria você de fazer isso? — Olhou atentamente o local da operação, ainda segurando meu braço levantado no ar. — Isso não… doeu? Credo! — Deixou meu braço cair e recuou rápido. — Não doeu? — perguntou ele, o lenço no nariz outra vez.
— Bem, um pouco — admiti. — Mas valeu a pena, não acha? — perguntei, erguendo os dois braços como uma bailarina e girando de um lado a outro. — É a primeira vez que me sinto completamente limpa em meses. […]
Virei-me de costas para mergulhar a esponja na bacia e disse descontraidamente por cima do ombro:
— Hã, e depilei as pernas também.
Lancei um olhar furtivo a ele. O choque original transformou-se em uma expressão de total perplexidade.
— Suas pernas não tinham cheiro nenhum — disse ele. — A menos que tenha andado com bosta de vaca até os joelhos.
Virei-me e levantei minhas saias até os joelhos, apontando o dedão do pé para a frente a fim de exibir as curvas delicadas da minha perna.
— Mas ficaram tão mais bonitas — ressaltei. — Lisas e macias; não como as de um macaco peludo.
Ele abaixou os olhos para os próprios joelhos peludos, ofendido.
— E eu sou um macaco?
— Você, não. Eu! — exclamei, ficando exasperada.
— Minhas pernas são muito mais cabeludas do que as suas jamais serão!
— Bem, elas devem ser assim; você é homem! […]
— Poderia ter sido pior, sabe — disse, passando a esponja na parte interna da minha coxa. — Louise mandou remover todos os pelos do corpo dela.
Isso lhe causou um sobressalto que, por sua vez, o fez voltar ao inglês, ao menos temporariamente.
— O quê? Ela removeu os pelos da perereca? — disse ele, horrorizado a ponto de adotar uma vulgaridade que não lhe era própria.
— Aham — respondi, satisfeita por tal visão afastar suas atenções de minha própria condição inquietantemente pelada. — Cada pelo. Madame Laserre arrancou até mesmo os extraviados.
— Nosso Senhor Jesus Cristo! — Ele fechou os olhos com força, ou para evitar ou para melhor contemplar a perspectiva que eu descrevera.
Evidentemente, a última hipótese era a verdadeira, porque ele abriu os olhos outra vez e olhou-me, espantado, perguntando:
— E agora ela está andando por aí pelada como uma menina?
— Ela diz que os homens acham erótico.
Suas sobrancelhas quase se encontraram com a linha do couro cabeludo, um traço interessante para quem tinha a fronte tão classicamente alta.
— Gostaria muito que você parasse com esses resmungos — observei, pendurando a toalha no espaldar de uma cadeira para secar. — Não consigo entender nem uma palavra do que diz.
— É melhor que seja assim, Sassenach.”
E assim terminamos o nosso livro vs série dessa semana. E você Sasse, gostou da adaptação? Sentiu falta de alguma cena não citada? Comente!
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