Claire Fraser,  DailyLines,  Diana Gabaldon,  Jamie Fraser,  Livros,  Trechos da Diana

Daily Line: Feliz Ano Novo

POSSUI SPOILER DO LIVRO 3| Leia outros em Trechos da Diana

#DailyLines #FelizAnoNovo

O ano passa

A lua cheia vem e vai

Algumas coisas passam

Algumas coisas permanecem as mesmas

A vida vai e vem com a maré

Mas o amor brilha assim como as estrelas

Constantemente durante a noite

(Trecho de O Resgate no Mar, Copyright 1994 Diana Gabaldon)

A casa estava iluminada naquela noite, com velas acesas nas janelas e ramos de azevinho e hera fixados na escada e nos batentes das portas. Não havia tantos gaiteiros nas Highlands como antes de Culloden, mas um foi encontrado, e também um violinista, e a música flutuava escada acima, misturada com o cheio inebriante de ponche de rum, bolo de ameixa, bolacha de amêndoa e biscoito de Savoy.

Jamie desceu mais tarde de forma hesitante. Muitas das pessoas que lá estavam ele não via há quase dez anos, e ele não estava ansioso para vê-las agora, já que se sentia tão mudado e distante. Mas Jenny tinha feito uma camisa nova para ele, escovado e remendado seu casaco e penteado seu cabelo liso e trançado antes de descer para cuidar da comida. Ele não tinha desculpa para se demorar, e finalmente desceu para unir-se ao barulho e turbilhão da reunião.

– Mr. Fraser! – Peggy Gibbons foi a primeira a vê-lo; ela correu pela sala com o rosto brilhando e jogou os braços ao redor dele, de forma imperturbável. Pego de surpresa, ele a abraçou de volta e, em poucos minutos, foi cercado por uma pequena multidão de mulheres, gritando com ele, segurando crianças pequenas nascidas despois da sua partida, beijando seu rosto e dando tapinhas em suas mãos.

Os homens estavam mais tímidos, saudando-o com uma palavra áspera de boas-vindas ou um tapinha nas costas enquanto ele caminhava lentamente pelas salas, até que, bastante oprimido, ele escapou temporariamente para o escritório do dono da casa.

Outrora aquele tinha sido o gabinete do seu pai, e depois seu, agora pertencia a seu cunhado, que administrara Lallybroch durante os anos de sua ausência. Os livros contábeis, os controles de estoque e as contas estavam todos alinhados ordenadamente na borda da mesa surrada; ele correu um dedo ao longo das lombadas de couro, sentindo uma sensação de conforto com o toque. Estava tudo ali: o plantio e as colheitas, as cuidadosas compras e aquisições, as lentas acumulações e dispersões que eram o ritmo de vida dos arrendatários de Lallybroch.

Na pequena estante de livros ele encontrou sua cobra de madeira. Junto com tudo o mais de valor que ele deixou para trás quando foi para a prisão. Um pequeno ícone esculpido em cerejeira que tinha sido presente do seu irmão mais velho, morto na infância. Ele estava sentado na cadeira atrás da mesa, acariciando as curvas bem gastas da cobra, quando a porta do escritório se abriu.

– Jamie? – recuou ela, timidamente. Ele não tinha se preocupado em acender uma lâmpada no escritório; sua silhueta podia ser percebida pela claridade das velas acesas no corredor. Ela usava o cabelo claro solto, como uma criada, e a luz brilhava através dele, formando uma auréola em seu rosto invisível.

– Talvez você se lembre de mim? – disse ela, hesitante, relutante em entrar na sala sem ser convidada.

– Sim – disse ele, depois de uma pausa. – Sim, claro que sim.

– A música está começando – disse ela. Estava, ele podia ouvir o gemido do violino e o bater dos pés na sala da frente, junto com um grito ocasional de alegria. A festa já dava sinais de que seria boa, a maioria dos convidados estaria dormindo no chão pela manhã.

– Sua irmã me disse que você é um bom dançarino – disse ela, ainda tímida, mas determinada.

– Já faz um bom tempo desde a última vez que tentei – disse ele, sentindo-se tímido e dolorosamente estranho, embora a música do violino fizesse seus ossos doer e seus pés se contraíssem ao som dela.

– É “Tha Mo Leabaidh ‘san Fhraoch”, “Minha cama está entre as flores”, você vai gostar dessa. Quer tentar dançar comigo? – ela estendeu a mão para ele, pequena e graciosa na penumbra. Ele se levantou, agarrou a mão estendida e deu os primeiros passos na busca por si mesmo.

– Estava bem aqui – disse ele, acenando com a mão boa na direção da sala onde estávamos sentados. – Jemmy mandou limpar a mobília, exceto uma mesa com a comida e o uísque, e o violinista estava perto da janela, com uma lua nova por cima do ombro. – Ele acenou com a cabeça para a janela, onde a roseira tremia. Algo na luz daquele banquete de Ano Novo permaneceu no seu rosto, e eu senti uma pequena pontada ao vê-lo.

– Nós dançamos a noite toda, às vezes com outras pessoas, mas principalmente um com o outro. E de madrugada, quando aqueles que ainda estavam acordados foram até o final da casa para ver quais os presságios que o Ano Novo traria, nós dois também fomos. As mulheres solteiras se revezavam para girar e passar pela porta com os olhos fechados, depois girar novamente e abrir os olhos para ver o que seria a primeira coisa que veriam, pois isso é capaz de dizer com quem irão se casar, você sabe.

Houve muitas risadas enquanto os convidados, aquecidos por uísque e dança, eram pressionados e impelidos na porta. Laoghaire se conteve, corou e riu, dizendo que era um jogo para meninas, não para uma matrona de trinta e quatro anos, mas os outros insistiram e ela fez uma tentativa. Ela girou três vezes no sentido horário, abriu a porta, saiu para a luz fria do amanhecer e girou novamente. Quando abriu os olhos, eles estavam pousados no rosto de Jamie, arregalados pela expectativa.

– Então… lá estava ela, uma viúva com duas filhas. Ela precisava de um homem, isso estava bem claro. Eu precisava… de alguma coisa. – Ele olhou para o fogo, onde a chama baixa cintilava através da massa vermelha da turfa; havia calor, mas não muita luz. – Eu acho que nós podemos ajudar um ao outro.

Eles se casaram discretamente em Balriggan, e ele mudou seus pertences para lá. Menos de um ano depois, ele se mudou novamente, e foi para Edimburgo.

– O que diabos aconteceu? – perguntei, mais do que curiosa.

Ele olhou para mim, indefeso.

– Não sei dizer. Não era que algo estivesse errado, exatamente, apenas que nada estava certo. – Ele esfregou a mão entre as sobrancelhas, cansado. – Fui eu, eu acho, a culpa foi minha. Eu sempre a decepcionei de alguma forma. Nós nos sentávamos para jantar e, de repente, a lágrimas brotavam dos seus olhos e ela deixava a mesa chorando e eu ficava sentado ali sem ter a menor ideia do que havia feito ou dito de errado.

Seu punho cerrou-se na colcha, depois relaxou.

– Deus, eu nunca soube o que fazer por ela, ou o que dizer! Qualquer coisa que eu dizia só piorava as coisas, e havia dias, não, semanas, em que ela não falava comigo, mas apenas se virava quando eu me aproximava e ficava olhando pela janela até que eu fosse embora novamente.

Seus dedos buscaram os arranhões paralelos no lado do seu pescoço. Eles estavam curados, mas as marcas das minhas unhas ainda apareciam em sua pele clara. Ele me olhou com ironia.

– Você nunca fez isso comigo, Sassenach.

– Não é meu estilo – concordei, sorrindo fracamente. – Se estiver brava com você, você vai saber o porquê, pelo menos.

Ele bufou brevemente e deitou-se nos travesseiros. Nenhum de nós falou por muito tempo. Então ele disse, olhando para o teto:

– Achei que não queria ouvir nada sobre como as coisas eram, com Frank, quero dizer. Eu talvez estivesse errado sobre isso.

– Eu direi o que quiser saber – disse eu. – Mas não agora. Ainda é a sua vez.

Ele suspirou e fechou os olhos.

– Ela estava com medo de mim – disse ele, suavemente, um minuto depois. – Eu tentei ser gentil com ela, Deus, eu tentei de novo e de novo, tudo o que eu sabia para agradar uma mulher. Mas nada adiantou. – Sua cabeça virou inquieta, fazendo um buraco no travesseiro de penas.

– Talvez tenha sido Hugh, ou talvez Simon. Eu conheci os dois, e eles eram bons homens, mas não há como dizer o que se passa no leito conjugal. Talvez fosse porque elas têm filhos, nem todas as mulheres aguentam. Mas alguma coisa a machucou, em algum momento, e eu não consegui curar por mais que tentasse. Ela se encolhia quando eu a tocava, e eu pude ver a dor e o medo em seus olhos. – Havia linhas de tristeza em torno de seus próprios olhos fechados, e eu, impulsivamente, peguei sua mão.

Ele a apertou suavemente e abriu os olhos.

– É por isso que eu finalmente fui embora – disse ele, suavemente. – Eu não aguentava mais.

Eu não disse nada, mas continuei segurando sua mão, colocando um dedo em seu pulso para verificar o batimento, que estava reconfortantemente lento e constante. Ele se mexeu ligeiramente na cama, movendo os ombros e fazendo uma careta de desconforto ao fazê-lo.

– O braço dói muito? – perguntei.

– Um pouco.

Eu me inclinei sobre ele, sentindo sua testa. Ele estava muito quente, mas não tinha febre. Havia uma linha entre as sobrancelhas grossas e avermelhadas, e eu a alisei com o nó de um dedo.

– Dor de cabeça?

– Sim.

– Vou fazer um chá de casca de salgueiro para você.

Fiz menção de me levantar, mas sua mão em meu braço me impediu.

– Eu não preciso de chá – disse ele. – Eu ficaria mais aliviado se talvez pudesse colocar minha cabeça no seu colo e se você esfregasse minhas têmporas um pouco. – Olhos azuis me encaravam, límpidos como um céu de primavera.

– Você não me engana nem um pouco, Jamie Fraser – disse eu. – Eu não vou me esquecer da sua próxima injeção.  – Mesmo assim, eu já estava tirando a cadeira do caminho e me sentando ao lado dele na cama.

Ele soltou um pequeno grunhido de satisfação enquanto eu movia sua cabeça para o meu colo e começava a acariciá-lo, esfregando suas têmporas, alisando a espessa massa ondulada do seu cabelo. Sua nuca estava úmida; eu levantei o cabelo e soprei suavemente sobre ele, vendo a pele lisa e clara arrepiar em sua nuca.

– Oh, isso é bom – murmurou ele. Apesar da minha resolução de não tocar nele além do necessário até que tudo estivesse resolvido entre nós, encontrei minhas mãos moldando-se às linhas claras e arrojadas de seu pescoço e ombros, procurando as protuberâncias rígidas de suas vértebras e os planos largos e planos de suas omoplatas.

Ele estava firme e sólido sob minhas mãos, seu hálito fazendo uma carícia quente na minha coxa, e foi com alguma relutância que finalmente o coloquei de volta no travesseiro e peguei a ampola de penicilina.

– Está tudo bem – disse eu, virando o lençol e alcançando a bainha da sua camisa. – Só uma picadinha e você… – minha mão roçou em alguma coisa e eu parei, assustada.

– Jamie! – disse eu, divertida. – Você não pode!

– Eu não acho que consigo – concordou ele, confortavelmente. Ele enrolou-se como um camarão, os cílios escuros contra a bochecha. – Mas um homem pode sonhar, não pode?

****

Eu também não subi para dormir naquela noite. Não conversamos muito, apenas ficamos deitados juntos na cama estreita, mal nos movendo, para não sacudir o braço ferido. O resto da casa estava quieto, todos em segurança na cama, e não havia nenhum som além do assobio do fogo, o suspiro do vento e o arranhar da roseira de Ellen na janela, insistente como as exigências do amor.

– Você sabe? – disse ele, suavemente, em algum lugar na madrugada negra. – Você sabe o que é estar com alguém assim? Para tentar tudo que puder e parecer nunca descobrir o segredo da pessoa?

– Sim – disse eu, pensando em Frank. – Sim, eu sei.

– Eu achei que talvez soubesse. – Ele ficou quieto por um momento, e então sua mão tocou meu cabelo levemente, um borrão sombrio à luz do fogo.

– E então … – sussurrou ele, – então ter de volta aquela certeza. Ser livre em tudo o que disser ou fizer, e saber que está certo.

– Dizer eu te amo e falar do fundo do seu coração – disse eu baixinho para a escuridão.

– Sim – respondeu ele, quase inaudível. – Para dizer isso. – Sua mão repousou no meu cabelo e, sem saber muito bem como isso aconteceu, me encontrei enrolada contra ele, minha cabeça apenas encaixada no oco do seu ombro.

– Por tantos anos – disse ele, – por tanto tempo, eu tenho sido tantas coisas, tantos homens diferentes. Eu o senti engolir em seco e ele se mexeu ligeiramente, o linho da sua camisa farfalhando por conta da goma.

– Eu fui tio dos filhos de Jenny e irmão dela e de Ian. “Milord” para Fergus e “Sir” para meus inquilinos. “Mac Dubh” para os homens de Ardsmuir e “MacKenzie” para os outros criados de Helwater. “Malcolm”, o tipógrafo, então “Jamie Roy” nas docas. – Sua mão acariciou meu cabelo, lentamente, com um som sussurrante como o vento lá fora. – Mas aqui, disse ele, tão baixinho que mal pude ouvi-lo, – aqui no escuro, com você … eu não tenho nome.

Eu levantei o meu rosto na direção do rosto dele e tomei seu hálito quente entre os meus lábios.

– Eu te amo – disse eu, e não precisava dizer a ele que era do fundo do meu coração.

Fonte: Diana Gabaldon
Data de publicação: 01/01/2021

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