Daily Line: Pequenas criaturas ferozes
POSSUI SPOILER DO LIVRO 5 | Leia outros em Trechos da Diana
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– O que você está fazendo, Sassenach? – disse Jamie, segurando uma torrada em uma mão, parado na porta.
– Vendo coisas – eu disse, ajustando o foco.
– Ah, sim? Que tipo de coisas? – ele entrou na sala, sorrindo. – Não fantasmas, eu espero. Já tive fantasmas suficientes.
– Venha ver – eu disse, afastando-me do microscópio. Ligeiramente intrigado, ele curvou-se e olhou através da lente, fechando o outro olho para se concentrar. Ele apertou os olhos por um momento, depois soltou uma exclamação de surpresa e satisfação.
– Eu estou vendo! Pequenas criaturas com caudas, nadando por toda a parte! – Ele endireitou-se, sorriu para mim com um olhar de deleite, depois inclinou-se imediatamente para observar novamente. Senti uma pontada de orgulho do meu novo brinquedo.
– Não é maravilhoso? Sim, maravilhoso – ele disse, absorvido. – Olhe para elas. Tão pequenas e tão valentes, se empurrando e se contorcendo umas contra as outras, e há uma porção delas. – Ele ficou observando por mais alguns momentos, exclamando baixinho, depois endireitou-se, balançando a cabeça com espanto.
– Eu nunca tinha visto uma coisa dessas, Sassenach. Você já tinha me falado sobre os germes, é verdade, mas eu não podia imaginar! Eu achava que eles teriam dentes pequenininhos, mas eles não têm, e eu nunca soube que eles tinham pequeninas caudas tão bonitas, ou que teria tantos deles nadando.
– Bem, alguns micro-organismos têm – eu disse, movendo-me para olhar novamente pela lente. – Estas pequenas criaturas em particular não são germes, são espermatozoides.
– São o quê? – ele parecia bastante confuso.
– Esperma – eu disse pacientemente. – Células reprodutivas masculinas. Você sabe, aquilo que faz os bebês? – Eu achei que ele iria se engasgar. Sua boca se abriu e um tom rosa muito bonito inundou o seu rosto.
– Você quer dizer a semente? – ele resmungou. – Vigor?
– Bem… sim. – Observando-o de perto, coloquei o chá fumegante em um copo limpo e o entreguei a ele como um reparador. Ele ignorou o chá, porém, fixou os olhos no microscópio como se alguma coisa pudesse saltar da lente a qualquer momento e se contorcer pelo chão aos nossos pés.
– Espermatozoides – ele murmurou para si mesmo. – Espermatozoides. – Ele balançou a cabeça vigorosamente, depois virou-se para mim, pois um pensamento assustador acabava de lhe ocorrer. – De quem são? – ele perguntou, usando um tom sombrio de suspeita.
– Bem… seus, é claro. – Eu limpei minha garganta, levemente envergonhada. – De quem mais seriam?
Em um reflexo, sua mão dirigiu-se para a região entre as pernas e ele agarrou seus órgãos protetoramente. – Como diabos você os conseguiu?
– Como você acha? – eu disse friamente. – Eu acordei em posse deles nesta manhã. Sua mão relaxou, mas um profundo rubor de mortificação manchou suas bochechas escuras. Ele apanhou o copo de chá e engoliu o líquido em apenas um gole, apesar da temperatura.
– Entendo – disse ele, e tossiu. Houve um momento de profundo silêncio. – Eu, hum, não sabia que poderiam permanecer vivos – ele disse, finalmente. – Do lado de fora, eu quero dizer.
– Bem, se você deixá-los em uma mancha no lençol para secar, não – eu disse com naturalidade. – Porém, se evitar que sequem – apontei para o pequeno copo coberto, com uma pequena quantidade de líquido esbranquiçado – eles ficarão vivos por algumas horas. Em um ambiente adequado, eles podem viver até uma semana depois de … serem liberados.
– Ambiente adequado – ele repetiu, pensativo. Lançando um rápido olhar para mim, perguntou – você quer dizer…?
– Sim, isso mesmo – respondi, com alguma austeridade.
– Mmphm. – Nesse momento, ele lembrou-se do pedaço de torrada que tinha não mão e deu uma mordida, mastigando meditativamente. – As pessoas sabem disso? Agora, eu quero dizer?
– Sabem o quê? Como são os espermas? Provavelmente. Os microscópios existem há mais de cem anos, e a primeira coisa que qualquer um com um microscópio de trabalho faz é observar tudo a seu alcance. Já que o inventor do microscópio foi um homem, eu pensaria que sabem… você não?
Ele olhou para mim e deu outra mordida na torrada, mastigando de maneira bem acentuada. – Eu não chamaria isso de coisas “ao meu alcance”, Sassenach – ele disse, com a boca cheia de migalhas. – Mas eu entendo o que você quer dizer. – Como se compelido por uma força irresistível, ele dirigiu-se ao microscópio, curvando-se para examiná-lo mais uma vez. – Eles parecem ferozes – disse, depois de alguns instantes de inspeção.
– Bem, eles precisam ser – eu disse, reprimindo um sorriso diante do seu levemente envergonhado ar de orgulho pelas proezas dos seus gametas. – É um longo trabalho, afinal de contas, e uma luta incrível no final. Apenas um terá a honra, você sabe. – Ele levantou o olhar, sem esboçar nenhuma expressão. Eu percebi que ele não sabia. Ele estudou línguas, matemática e filosofia grega e latina em Paris, mas não medicina. E mesmo que os cientistas naturalistas da época estivessem cientes do esperma como entidades independentes e não uma substância homogênea, ocorreu-me que eles provavelmente não tinham ideia do que o esperma realmente fazia.
– De onde você achava que vinham os bebês? – eu perguntei, depois de alguns esclarecimentos sobre óvulos, espermatozoides, zigotos e coisas do gênero, o que deixou Jamie com os olhos arregalados. Ele me lançou um olhar bastante frio.
– Eu, que fui um fazendeiro toda a minha vida? Eu sei exatamente de onde eles vêm – ele me informou. – Eu só não sabia sobre … toda essa agitação. – Eu achava, bem, achava que um homem planta sua semente na barrida da mulher, e ela… bem … ela cresce. – Ele apontou vagamente para a minha barriga. – Você sabe… como sementes. Nabos, milho, melão, essas coisas. Não sabia que eles ficavam nadando como girinos.
– Entendo. – Eu esfreguei um dedo embaixo do nariz, tentando não rir. – Daí a designação agrícola de que as mulheres são férteis ou estéreis.
– Mmphm. – Ignorando meu comentário com um aceno de mão, ele franziu a testa, pensativo. – Uma semana, você disse? Então, é possível que o menino seja filho dele?
Como ainda era cedo, levei meio segundo para ir da teoria à prática.
– Oh, Jemmy, você quer dizer? Sim, é bem possível que ele seja filho de Roger. Roger e Bonnet deitaram-se com Bree com um intervalo de dois dias entre um e outro. Eu te falei isso, e a Bree também.
Ele assentiu, parecendo distraído. Depois, lembrou-se da torrada e colocou o resto na boca. Ainda mastigando, ele arriscou uma outra olhada na lente.
– Eles são diferentes, então? De um homem para o outro, eu quero dizer?
– Er… não quando observados. Peguei minha xícara de chá e tomei um gole, apreciando o sabor delicado. – Eles são diferentes, é claro. Eles carregam as características que um homem passa para os seus filhos. – Foi até onde achei prudente chegar. Ele já estava suficientemente atordoado com a minha descrição de fertilização, uma explicação sobre genes e cromossomos poderia ser bastante excessiva no momento. – Mas você não consegue ver essas diferenças com um microscópio.
Ele resmungou, engoliu a torrada e endireitou-se.
– Por que você está observando, então?
– Só curiosidade – fiz um gesto para a coleção de garrafas e copos sob a bancada. – Eu queria avaliar a resolução do microscópio, saber que tipo de coisas eu poderia ver.
– Ah, é? E, então? Qual o objetivo disso, eu quero dizer?
– Bem, me ajudar a diagnosticar as coisas. Se eu pudesse colher uma amostra das fezes de uma pessoa, por exemplo, e ver que ela tem parasitas internos, eu saberia melhor qual remédio eu daria para ela.
Jamie parecia preferir não ter escutado esse tipo de coisas logo após o café da manhã, mas assentiu. Ele esvaziou o copo e colocou-o sob o balcão.
– Sim, me parece bem sensato. Vou deixar você continuar com isso, então. – Ele se inclinou e me beijou brevemente, depois caminhou até a porta. Um pouco antes, porém, ele se voltou para mim. – Os, hum, espermatozoides… – ele disse, um pouco sem jeito.
– Sim?
– Você não pode tirá-los do copo e fazer um enterro decente ou algo parecido? – Eu escondi um sorriso atrás da minha xícara de chá.
– Eu vou cuidar bem deles – prometi. – Eu sempre cuido, não é?
Fonte: Diana Gabaldon
Data de publicação: 09/05/2020
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